Vamos lá então a confissões.
Sou filha única e neta única, ou seja, sem ser estragada, fui sempre muito mimada e protegida. Por isso quando o meu primeiro casamento terminou, em 2008, e decidi que iria viver para São Paulo, uma das minhas metas era cortar o cordão umbilical, que sempre me fez sentir tão feliz, mas já estava na hora. Estava longe de saber quão determinante esta decisão seria para a minha vida futura.
E em São Paulo tudo deu certo, no sentido em que comecei do nada, literalmente, e construí muitas coisas de que me orgulho e que hoje são aquilo que de mais precioso tenho. Mas no início foi muito duro. Apesar do apoio de poucos, mas bons amigos, estava num apartamento quase sem moveis, sozinha pela primeira vez, numa cidade gigante, sem carro e apenas incertezas pela frente. Nunca quis pedir ajuda aos meus pais, e nunca o fiz, sei lá como. Quem lê isto pode pensar: “Ok, mas milhões de pessoas vivem assim.”. Eu sei e concordo, mas o que nos afeta são as mudanças drásticas face ao conhecido, e tomar a decisão de passar de um nível de conforto e segurança para o oposto total, foi consciente, eu queria muito, mas foi duro. E sem me aperceber, a minha vida em São Paulo aos poucos foi-me ensinando a sobreviver, sozinha, fosse qual fosse a adversidade e pelo meu mérito. E, mesmo quando em Portugal alguns eventos muito dramáticos aconteceram na minha família, eu persisti e aprendi a sobreviver um pouco mais. Isto não faz de mim um ser humano diferente dos outros, mas fez de mim um ser humano mais humilde, empático e consciente. Ensinou-me que somos capazes de sobreviver a tudo e sair vitoriosos.
Passados 7 anos de vida em São Paulo senti que aquele ciclo tinha terminado, como se tivesse cumprido o meu propósito, e então regressei a Lisboa, com uma sensação parecida com aquela que me tinha levado ao Brasil mas ainda sem saber codificá-la. Passado o tempo necessário de adaptação e criação de uma nova rotina, tive um insight, agora que aprendi a sobreviver, e embora seja absolutamente grata por tudo o que aprendi, não quero viver assim. Percebi que o que quero para a minha vida é construir, algo sólido, profundo e duradouro, e não só sobreviver. E há uma grande diferença entre estas duas coisas. Viver desta forma, com o objetivo de construir, demora muito mais tempo, exige muito mais paciência e perseverança, mas sinto que para mim é o melhor.
Não sei exatamente porquê a necessidade deste desabafo, mas senti muita vontade de partilhar consigo, quem sabe nos encontramos neste ponto de vista e estas palavras lhe dêem força.
Talvez para construir, seja primeiro necessário aprender a sobreviver. E foi isso que aconteceu.
Um beijinho.
Adorei pela beleza e sinceridade do texto, mas como teu pai talvez não consiga ser totalmente isento
Achei o seu texto tão profundo que levará anos para poder codifica-lo. Nas suas palavras têm tanto conhecimento e aprendizado. Dados e recebidos. Sei que partilhou porque precisava muito. Você não é de partilhar coisas tão íntimas. Sei que foi profundo! Obrigado. E obrigado pelo tempo que esteve aqui. Obrigado por partilhar suas coisas comigo! Te amo. Tenho orgulho de você. Beijos do Rod.
Você quer me fazer chorar é isso? Amo você. Obrigada por tudo.